• 16 / 03 / 2014

Proposta inicial de Tim Berners-Lee para o CERN

Em parte, a World Wide Web é a primeira implementação prática de um sistema de hipertexto global tal como imaginado pelos pioneiros do hipertexto.

(Tim Berners-Lee, 1993/1994b)

Desenvolvida a partir de 1989 por Tim Berners-Lee, à época pesquisador no CERN, a www foi até hoje o projeto de sistema de hipertexto mais bem-sucedido. De fato, a web foi tão universalmente adotada que se tornou, para um usuário leigo, sinônimo da própria Internet1.

A web surgiu com o objetivo inicial de facilitar a colaboração remota entre pesquisadores do CERN, evitando perda de documentos, dados de experimentos e outras informações em meio à alta rotatividade de pesquisadores no instituto. Demonstrando uma visão precisa sobre o problema do excesso de informação, há muito destacado por Vannevar Bush, Berners-Lee afirmava na especificação inicial da www que o “CERN se depara hoje com problemas que o restante do mundo terá de enfrentar em breve” (Tim Berners-Lee, 1989). Sua especificação inicial descrevia um sistema de organização de documentos hipertextual não-hierárquico, em rede (daí o termo “web”), que permitiria a inserção de qualquer tipo de conteúdo. Tal rede seria composta por nós — que poderiam ser notas, comentários, documentos, etc — conectados por links (Tim Berners-Lee, 1989). A arquitetura da web segue um modelo onde browsers (navegadores) se conectam a servers (servidores), onde uma ponta pode desconhecer o sistema operacional ou formato de dados da outra, pois são intermediados por uma interface HTTP, que traduz quaisquer diferenças de linguagem entre os dois. (Tim Berners-Lee e Robert Caillau, 1992).

O projeto inicial de Tim Berners-Lee inclui ainda algumas premissas básicas, postas como pré-requisitos diante das necessidades do CERN, mas que se provariam fundamentais para o desenvolvimento e sucesso do sistema (Tim Berners-Lee, 1989):

  • Descentralização do conteúdo, permitindo que novos sistemas possam se conectar sem necessitar uma autoridade central;
  • Heterogeneidade, permitindo que diversos sistemas operacionais possam acessar a web;
  • Acesso à dados já existentes, reinterpretando-os para um formato de hipertexto, o que impulsionaria a adoção da web;
  • Links “live”, permitindo que documentos em hipertexto sejam linkados a informações atualizadas em tempo real;
  • E ainda “não requerimentos”, onde Berners-Lee afirma que questões técnicas a respeito do suporte de copyright e proteção de dados, mesmo sendo viáveis, não seriam propostas naquele documento.

Este último ponto reflete um posicionamento ideológico muito importante de Tim Berners-Lee. Em um artigo posterior2, ele descreve a web como “um universo aberto de informação distribuída através de uma interface hipertextual (Tim Berners-Lee, 1993/1994b). O aspecto aberto da web permitiu sua rápida difusão para além do meio acadêmico: por meio de “gateways”, a web permitia a conexão com sistemas já existentes; a facilidade de criar um servidor www, que não requeria registro central, possibilitou à rede um crescimento exponencial3; e a disponibilização de todo o código-fonte pelo CERN em licença livre (open source) fez com que rapidamente, estudantes e programadores de diferentes partes do mundo criassem browsers de acesso à web para a maioria dos sistemas operacionais disponíveis à época (Tim Berners-Lee, 1993/1994a).

Tal difusão não foi apenas um empurrão para a adoção da web, mas crucial para sua sobrevivência como sistema: segundo Berners-Lee, a www não era tão amplamente adotada dentro do CERN, sendo portanto “pessoas interessadas na internet que providenciavam o feedback, estímulo, ideias, contribuições de código-fonte (…) as pessoas na internet construíram a web.” (Idem). Este movimento não foi acidental, já que, tendo pensado um sistema modular e descentralizado que permitia (mais que isto, requeria) amplas contribuições externas, Tim Berners-Lee esperava que a web “alcançasse muito cedo uma utilidade crítica” (Tim Berners-Lee, 1989), de forma que a própria utilidade do sistema iria encorajar a participação de novos usuários.

Por mais que a atual ubiquidade da web seja prova auto-evidente do sucesso desta estratégia, à época, outros sistemas seguiam o caminho oposto. Em 1993, a Universidade de Minnesota anunciou que passaria a cobrar uma licença pelo uso comercial de seu protocolo de compartilhamento de documentos online Gopher (1993), concorrente da web, em um movimento que ajudou a impulsionar a adoção e desenvolvimento das tecnologias da www. Apenas sete anos depois o código-fonte do projeto Gopher foi liberado para uso comercial, mas então já era tarde e o lançamento gerou pouco interesse, pois o protocolo se encontrava em desuso (2000).

Similarmente, o sistema Xanadu, que nunca foi lançado, jamais teve seu código-fonte compartilhado, por ser marca registrada do Projeto Xanadu. Uma das invenções do projeto, uma estrutura de dados chamada enfilade, nunca teve sua especificação técnica publicada. Segundo Ted Nelson, líder do projeto original, o motivo para isto seria por que a invenção “ainda é uma parada quente” — nosso itálico (Wired, 1995).

O trabalho inicial de Tim-Berners Lee e diversos outros colaboradores criaram as tecnologias básicas da web, entre elas o HTML (Hypertext Markup Language), sintaxe para visualização hipertextual de conteúdo durante a navegação da web; o servidor HTTP (Hypertext Transfer Protocol), que rege a comunicação cliente-servidor na web; os primeiros browsers, que permitem comunicação com os servidores da web através de linhas de código ou interfaces gráficas; e as URLs (Uniform Resource Locator), protocolo de endereçamento universal que permite aos usuários da web acessarem recursos e documentos em diferentes sistemas. Este legado técnico foi adotado pelo W3C, World Wide Web Consortium, fundado em 1994 numa parceria entre CERN e DARPA4, sendo encabeçado pelo próprio Tim Berners-Lee (W3C). Com um corpo técnico hoje formado por cientistas e desenvolvedores de empresas e instituições acadêmicas de todo o mundo5, a W3C tem como missão levar adiante a Web respeitando os valores de abertura e acessibilidade que a acompanham desde sua incepção, desenvolvendo protocolos e diretrizes que garantam o crescimento unificado da Web no longo prazo (W3C).


Referências

BERNERS-LEE, Tim. Information Management: A Proposal. Mar 1989. Disponível em http://www.w3.org/History/1989/proposal.html

BERNERS-LEE, Tim. A Brief History of the Web. 1993/1994a. Disponível em http://www.w3.org/DesignIssues/TimBook-old/History.html

BERNERS-LEE, Tim. What is the World-Wide Web? 1993/1994b. Disponível em http://www.w3.org/DesignIssues/TimBook-old/WhatIsWWW.html

BERNERS-LEE, Tim; CAILLAU, Robert. World-Wide Web. Set 1992. Disponível em http://www.freehep.org/chep92www.pdf

WIRED Magazine; WOLF, Gary. The Curse of Xanadu. Jun 1995. Disponível em http://www.wired.com/wired/archive/3.06/xanadu.html

W3C a. Facts About W3C - History. Disponível em http://www.w3.org/Consortium/facts#history 86

W3C b. W3C Mission. Disponível em http://www.w3.org/Consortium/mission.html#principles

(1993) MINNESOTA GOPHER TEAM. University of Minnesota Gopher software licensing policy. 11 Mar 1993. Disponível em http://www.nic.funet.fi/pub/vms/networking/gopher/gopher-software-licensing-policy.ancient

(2000) KOSTECKE, Steve. “UMN Gopher(d) released under the GPL!”. comp.infosystems.gopher Google Group. 1 Set 2000. Disponível em https://groups.google.com/forum/#!msg/comp.infosystems.gopher/4A- LS_A6qtA/nT89yWKzzsIJ

  1. Para pautar a diferença, o termo Internet se refere à conexão internacional entre computadores através de cabos telefônicos/de fibra óptica ou via satélite que, utilizando diversos sistemas e protocolos como www, email, FTP e Usenet, constitui um “vasto conglomerado de redes de computadores interconectadas” (Tim Berners-Lee, 1993/1994a)

  2. Parte de uma série de artigos que Tim Berners-Lee pretendia publicar como um livro sobre o histórico e funcionamento da web, todos escritos entre 1993 e 1994.

  3. Tim Berners-Lee afirma que entre Julho de 1991 e Julho de 1994, a rede dobrava de tamanho a cada quatro meses — fator que pulava para 10x, se considerados os 12 meses anteriores. (1993/1994a, capítulo “Proliferation”).

  4. Defense Advanced Research Projects Agency, agência do governo norte-americano responsável por promover a pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias voltadas para aplicação militar.

  5. Uma lista completa das empresas e instituições participantes pode ser consultada em http://www.w3.org/Consortium/Member/List